Iniciamos o
que se chama de Tríduo Pascoal, ou seja, a sequência de três dias que podem ser
considerados como o ápice do cristianismo. É composto da Quinta-feira Santa, da
Sexta-feira da Paixão e da Vigília Pascoal.
Muitos
comemoram esse período como forma de recordar a passagem de Jesus por nosso
meio humano, outros, sustentados nos aspectos teológicos da remissão dos
pecados, recolhem-se em profundos agradecimentos a Deus pela oportunidade de um
recomeço. Porém, há um outro aspecto, fundamental e universalmente possível de
ser refletido e trabalhado, independente da tradição religiosa, que é a
oportunidade do renascer.
É sobre esse
renascer, é a respeito dessa Páscoa em cada um de nós que eu gostaria de
refletir um pouco com vocês.
Iniciamos o
período do Tríduo com a Quinta-feira Santa, quando Jesus nos apresenta,
vivamente, a prática do servir e do compartilhar, para os cristãos, tais
práticas estão exemplificadas no “lava pés” e na instituição da Eucaristia.
É
impressionante como o exemplo deixado por Cristo Jesus, próximo de sua morte
física, foi o de servir, o da humildade diante do outro, com vistas a
disponibilizar-se, sempre, para ajudar o próximo. Vãs serão nossas palavras de
devoção cristã, se nosso cotidiano estiver vazio de práticas compassivas e
caridosas. De nada valem palavras devocionais, eloquentes orações, se não
percebermos que viemos a este mundo para servir, para auxiliar, para, amorosamente,
suportarmo-nos mutuamente. Suporte este, expressado por São Paulo, em sua
epístola aos efésios, que representa dar suporte, sustentar com amor o outro
para que ele possa seguir em sua caminhada física e espiritual.
Jesus lavou os
pés, não apenas daqueles com quem estava naquele momento, mas de toda a
humanidade, representada pelos apóstolos presentes. Ele lavou e ainda lava meus
pés e os seus, para que possa, com seu infinito amor, limpar-nos da sujeira do
ódio, da cobiça, do apego, da ganância, do rancor e de tudo aquilo que nos
impede de viver próximo a Ele, que impede de deixarmos que o Espírito Santo
conduza a nossa vida e faça de nós verdadeiros cristos vivos diante do próximo.
Ele se dispõe para lavar nossos pés e nossa alma, basta permitirmos que o faça.
Se queremos
ser seguidores de Jesus, mais do que cristãos formais, espelhemo-nos nele, na sua
prática do servir. Não um serviço expiatório, na busca de conquistas,
agradecimentos e recompensas, pois isso não é a verdadeira prática que Ele nos ensinou.
O exemplo que tivemos foi de alguém que lavou os pés de pessoas que nada
poderia dar em troca, nenhum retorno era desejado ou esperado. É, na verdade, o
servir sem intensão, sem expectativa, sequer o desejo de reciprocidade ou de
acúmulo de méritos, é o servir, pura e simplesmente, como prática amorosa e
compassiva.
Assim começa o
Tríduo Pascal, e assim se inicia o nosso caminhar para nossa própria
ressurreição.
Segue-se,
então, para o segundo dia: o doloroso dia da paixão e morte.
Paixão e morte
sob o olhar humano, sob o limitado desejo imediatista de felicidade, de alegria
e prazer. Não aceitamos a ideia de privações, de aparentes limitações e
sofrimentos temporários. Partimos do falacioso princípio de que viemos a este
mundo para sermos felizes, mas que felicidade é essa que tanto desejamos neste
mundo? Seria não sentirmos a dor física, ou não termos perdas de pessoas
amadas, ou de conseguirmos êxitos profissionais e financeiros, ou seria, ainda,
portarmos o sorriso perene diante de dias ensolarados?
Minhas
queridas, meus queridos, a paz e a felicidade plena vêm de dentro, não como
consequência do meio em que vivemos. Elas vêm em decorrência de nossos atos
para com os outros, não o contrário. Elas desabrocham com o nosso servir, com o
nosso dar, com o nosso fazer, não com o que recebemos ou colhemos deste mundo.
Estamos sempre
buscando a vitória, mas nos esquecemos de lutar por ela. Estamos
permanentemente almejando renascer para o bem, esquecendo-nos de que o bem
nasce pela morte do mal. O renascimento para existir, deve ser precedido pela
morte. Buscamos o continuo nascimento e esquecemo-nos da necessária morte que
dá a vida.
A Sexta-feira
da Paixão, apesar de lembrar da dor e da morte de Jesus Cristo, deve ser para
nós o exemplo e a reflexão de tudo que precisamos matar em nossa vida para que
com Ele possamos ressuscitar. Não há ressurreição sem morte.
A morte do
egoísmo, do orgulho, da ira, da cobiça, enfim de tudo que precisa desaparecer
para ser possível nascer o amor, a compaixão, a humildade e a capacidade de
servir despretensiosamente, de dar sem o desejo de receber algo em troca, de
ajudar sem a preocupação de qualquer retorno, pois o servir, só é verdadeiramente
uma ação compassiva se é feito pelo simples e puro estado de amor ao próximo.
Aprendemos a
importância do servir sem intensão, percebemos que devemos morrer para as
coisas que nos prende e nos limita e chegamos ao terceiro dia, em direção à
Páscoa, em direção à verdadeira e plena vida.
A Páscoa, como
o próprio nome diz, é uma passagem e não um estado passivo e estático, e jamais
será atingida se estivermos parados. Não passamos para algum lugar ou para algum
estado, qualquer que seja ele, sem que estejamos em movimento. A Páscoa é,
antes de tudo, um convite à mudança de vida, à vitória sobre as limitações, à
busca do verdadeiro caminho para a paz, plena e perene.
Alegremo-nos
com a Páscoa do Senhor, mas não somente pela comemoração de um episódio
histórico exitoso, mas sim como um exemplo a ser seguido. Exultemo-nos diante
da possibilidade de morrermos com Jesus e com Ele renascermos para a paz e a
real felicidade. O êxito conquistado por Cristo Jesus não foi para Ele, até
porque Ele não tinha a menor necessidade dele. Ele nos entrega, a cada
instante, a chance do novo renascer, de uma nova ressurreição, de eliminarmos o
mal que em nós habita, para que possamos disseminar o bem que Ele nos dá. Para
o amor nascer, faz-se necessário que matemos o ódio. Para que possamos “lavar
os pés” de nossos irmãos, é necessário que matemos nosso orgulho e nossa
prepotência.
A morte e o
nascer na Páscoa, nada tem a ver com vida e morte física. Estão ligados, sim, à
morte de tudo que nos impede de sermos o próprio Cristo vivo e, como Ele,
agirmos com nossos irmãos. Isto sim que é renascimento, ressurreição.
Reflitamos
sobre o Tríduo Pascoal, não somente sobre os fatos históricos nele celebrados,
mas como reais possibilidades de mudança em nosso cotidiano.
Não nos
esqueçamos de que é possível concretizar a Páscoa em cada um de nós.
Um fraterno e
amoroso abraço em cada um de vocês!
Monsenhor Padre João Milton
Menezes.
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