Do dia 05, instalação, ao dia 07 de julho, com término às 18h,
realizou-se em Goiânia, Go, o III Encontro Provincial da Igreja Anglicana
Tradicional do Brasil.
Lamentavelmente nosso encontro sofreu perseguições para que
não se realizasse. Telefonemas mal intencionados a clérigos avisando que o
evento não se realizaria, visitas a outros com o objetivo de desestimulá-los,
falando mal das lideranças da igreja, e-mails anônimos a bispos atravessaram a
internet com calúnias feias sobre pessoas e autoridades eclesiásticas. Pessoas
que prometeram participar, pela natureza de seus compromissos ecumênicos, por
alguma razão não declarada, não compareceram. O objetivo de boicotar era claro.
E-mails a mim enviados diziam que os autores objetivavam me desgastar em face
do clero nacional e de seus bispos. Há quem não tolere meu compromisso com o
Jesus do povo e com o povo brasileiro na perspectiva da luta por outro mundo
possível, mediado pela justiça social. Há quem prefira que bispo seja de
direita ou escapista espiritual, de preferência negocista ao arrancar dinheiro
do povo do que lutador dos direitos humanos e sociais. Grupos e pessoas preferiram bispos modelo altar, apenas reza-reza, sem compromisso com as grandes angústias e lutas do povo. Por isso me caluniam. Mesmo assim a tudo enfrentamos e o encontro
realizou-se abençoado e bem sucedido.
Reitero: o III Encontro Provincial da Igreja Anglicana
Tradicional do Brasil realizou-se numa casa de retiros da Igreja Católica
Romana em Goiânia, ao lado da Catedral Metropolitana, e foi um sucesso. A casa
é muito bem equipada, generosamente preparada e acolhedora. Desde o diretor às
cozinheiras são todos calorosamente receptivos. Somos agradecidos a todos.
Como determinava o previamente aprovado programa a instalação
deu-se com celebração eucarística densa espiritualmente. Os bispos, clérigos e
leigos, acompanhados por cantores e violeiros dedicados, celebramos a Deus com
alegria. Dom Rui, Provincial, bispo de São Paulo e Sul, pregou e disse que o
povo precisa marchar sem que suas lideranças peguem o arado e olhem para trás
lamuriosas infantilmente a espera de milagrismos caídos do céu.
Evidentemente que construímos nosso III Encontro em meio a um
contexto nacional marcado pelo povo nas ruas do Brasil. Escutamos as vozes que
tomaram conta de nossa agenda e sensibilidades, ainda mais que nos reunimos
muito próximos da histórica Praça Cívica, no centro de Goiânia, onde aconteceu
o primeiro comício das “Diretas Já”, cuja campanha varreu o Brasil e tomou
conta da Constituinte e muitas lutas pelo saneamento ético do governo deste
Estado, enlameado em acusações de corrupção. Na noite do dia 05 de julho,
quando iniciamos o encontro, ouvíamos vozes que se levantavam da Praça citada e
se fizeram presentes em nossos ouvidos e corações todo o tempo do evento.
No dia 06 como primeiro ato religioso matinal participamos do
assunção dos votos do Frei José da Santa Cruz, que se comprometeu com a “Fraternidade
Sacerdotal Missionários da Caridade”. A
cerimônia celebrada por seu Prior, Dom Jorge, Bispo do Nordeste, foi
profundamente tocante e nos chamou mais uma vez ao compromisso com o projeto de
Jesus, linkando com a celebração anterior e pregação de Dom Rui Costa Barbosa,
que nos reforçava com a proposta mosaica de fazer o povo marchar sem desvio.
Na mesma manhã do dia 06 realizamos estudos compreensivos do
Reino Deus como projeto realizado radicalmente por Jesus, com quem a Igreja deve
se comprometer na construção de relações justas entre as pessoas, de modo a que
o Reino se realize entre nós, como pediu Jesus ao ensinar o Pai Nosso aos seus
primeiros discípulos, quando rezou “venha a nós o teu reino...”. Reino que nos faz
irmãos na partilha do pão nosso de cada dia. Reino que enfrenta o mal, mas que
aponta a glória do rei que é servo da humanidade, exemplificando com seu
próprio ministério radicalizado entre tensões como negações, traições,
julgamentos espúrios e assassinato de Jesus numa maldita cruz, onde os romanos
matavam os sediciosos contra seu império iníquo. É certo afirmar que quando a Igreja age com o povo, envolvida nas suas agendas preenhes da busca de justiça social, ela se envolve com multidões compostas de pessoas barbaramente injustiçadas e oprimidas em seus mínimos direitos humanos. Aí não há complexo de inferioridade nem confusão de bandeiras. As lutas do povo são mais frutíferas do que as infelizes bandeiras abraçadas por seguixistas e as de defesa ou discriminações de homessexuais. Há fatores mais sérios e mais abrangentes que chamam a Igreja para o meio do povo do que bandeirinhas minúsculas, marcadas por moralismos, de problemas que se resolvem na esteira das lutas maiores.
À tarde do dia 06 o Frei José da Santa Cruz, doutor em teologia
cultural, com pesquisa de campo numa comunidade
quilombola de Alagoas, orientou-nos no profundo estudo sobre a missão evangelizadora
e transformadora nas culturas encharcadas pela opressão desumanizadora, mas
ricas em potenciais libertadores. A riqueza de textos bíblicos usadas por ele identificou
a vasta possibilidade de pontos de toque entre as culturas quilombolas, negras,
afro brasileiras, indígenas e oprimidas e o projeto de encarnação de Jesus na
Palestina. A missão por quem se propõe a
efetivar o Reino de justiça proposto por Jesus, como fidelidade ao evangelho e
não à alienação religiosa de igrejas burguesas, acontece na e através das
culturas mais originárias, ensinou-nos Frei José.
Faço questão de afirmar que o III Encontro Provincial
enriqueceu-se muito com a presença, espiritualidade, cultura e testemunho do
Frei José. Na sua página do Facebook (clique aqui) há algumas demonstrações do que ele
representa, para nossa alegria, e minha honra pessoal. Uma das lições que Frei
José deixou foi a humildade. Ao conversar com ele soube de que ele abomina a arrogância
e concorrência profundamente desumanas que se experimenta na academia. Nesse
ambiente as pessoas se destratam e falam mal umas das outras. Quando seus agentes
saem de lá e adentram em outros setores carregam consigo os resquícios
contaminados pelo contexto de intelectuais que não conseguem olhar ao longe
para a realidade, presos em seu mundinho empoeirado e alienado. Graças a Deus,
Frei José ama as pessoas e se move com alegria em meio ao povo.
Depois do intervalo do dia 06, à tarde, Dom Ricardo coordenou
testemunhos eloquentes do crescimento de sua diocese no Pará. Num
prosseguimento do trabalho de Frei José, como se tivessem combinado
previamente, Dom Ricardo, rico em ânimo, vibração e brilho, mostrou uma igreja
que se robustece com a intensa participação de caboclos, indígenas,
ribeirinhos, mulheres, crianças, adolescentes, jovens e trabalhadores. A igreja
diocesana pastoreada pelo querido bispo dom Ricardo entusiasmou pelo
crescimento quantitativo e qualitativo, exigindo cada vez mais padres
comprometidos com o povo. Avaliaria o momento orientado por dom Ricardo como um
dos mais intensos e inspiradores do encontro.
Depois Dom Rui, nosso provincial, coordenou o debate sobre a
origem histórica e sobre o “ethos” anglicano. As marcas anglicanas de uma igreja nacional e
autóctone mostram o espírito ecumênico, intercultural e racial de um projeto
que cresce rapidamente. Sem resvalarmos no sexismo, na homofobia e nos
desparâmetros em relação a família somos uma igreja anglicana que quer comungar
com outros ramos do anglicanismo, do cristianismo e da sociedade, mas com
linhas bem definidas de nossas celebrações, sacramentos, credos e compromissos
sociais.
No domingo à tarde Dom Jorge, querido bispo do Nordeste, nos
brindou com testemunhos de seu trabalho pastoral, principalmente na Bahia e,
particularmente, em Salvador, onde mora. Dom Jorge nos impactou por sua
profundidade no diálogo concreto inter-religioso. Nosso bispo nordestino
compreende muito bem a cultura de seu povo. Sabe lidar com os cultos afros, com
as comunidades quilombolas e com todos os setores sociais da Bahia, sempre se
expressando com riquezas linguísticas e gestuais típicas de um legítimo
bahiano. Mostrou um vídeo com entrevistas de intelectuais interpretando a
cultura, comidas e danças dos povos que se congraçam numa comunhão que somente
nossos irmãos bahianos sabem vivenciar. No vídeo Dom Jorge dá entrevista a uma
rede de TV nacional para falar das cerimônias que celebra com pais de santos
orixás, umbandistas, católicos romanos e evangélicos, num verdadeiro gesto
cristão que anglicanos gostam de praticar, absolutamente marcante e necessário diálogo
na construção de uma sociedade cordial e justa, sem discriminações de espécie
alguma. Dom Jorge avisou-nos que fora da Bahia há quem não compreenda a
convivência profundamente rica em respeito e entrosamento cultural que as
igrejas e diversas religiões celebram.
O Encontro encerrou-se no domingo, dia, 7às 18h, com uma
reunião da Câmara Episcopal, onde os bispos avaliaram a caminhada da igreja no
País e no encontro. A partir daí trabalha-se um documento que norteará o
pensamento e as ações da Igreja no Brasil.
Alerto que isso que escrevo aqui é de caráter pessoal. Não se
trata de um relatório nem de documento do encontro nem da Câmara Episcopal.
Guardo a esperança, no entanto, de ser fiel ao que aconteceu e ao que nos
mobilizou.
Dom Orvandil Moreira Barbosa, Bispo da Diocese Brasil
Central.
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